27.8.05

continuação - parte II

Quando é tudo…é nada!

Acho interessante as generalizações que se fazem.

Inclui-se sob a classificação de religião tanta coisa tão diferente, tornando o conceito tão abrangente que acaba por ser quase impossível dizer o que é religião sem cair em incongruências enormes.

Hoje, na aldeia global, é impossível desprezar as outras culturas reflorescentes em número de pessoas e importância económica e cultural.

Se no contexto cultural do ocidente cristão já não é fácil definir religião, então e se lhe juntarmos todas essas coisas que aí há pelo mundo fora?

A começar pela palavra!

Nos dicionários e enciclopédias são tão vagos e discordantes que para ter certezas só mesmo tendo apenas um! E mesmo assim sem garantias de coerência e esclarecimento.


As vezes dizem que religião vem no sentido de religar. Outras dizer significar seguir escrupulosamente… Como os dicionários evitam problemas não dando teorias explicativas, fica ao critério de cada um interpretar os significados das palavras sinónimas propostas.

Vejamos casos concretos.

Por exemplo, no contexto cultural do Hinduísmo não há palavra correspondente para a nossa palavra de religião. Costuma associar-se ao conceito de Dharma, que, de forma simplista, quer dizer lei (entre muitas outras coisas). A associação entre o conceito de religião ocidental e o conceito de dharma é simplesmente forçado. E o Hinduísmo até teve bastante contacto com a nossa cultura facilitando assim a criação de pontes de entendimento. Imagine-se culturas mais distantes no tempo e no espaço…

Apesar disso as correspondências forçadas apenas começaram. Há muitas mais.

Por exemplo: dentro da tradição cultural hindu (aquilo a que vulgarmente se chama, no ocidente, por hinduísmo) não há uma grande instituição cultural, de qualquer género, que domine o panorama cultural. Cada família é quase uma seita com as suas próprias convicções, e em muitos casos com os seus próprios deuses e rituais! E não deixa de ser legitimamente hindu. Por cá seita é um movimento sectário que desafia o poder instituído (antigamente, da igreja monopolista) logo é considerado perigoso, demoníaco…

Nessa vasta tradição cultural hindu não há livro único, compilação oficial e exclusiva do que é legitimo aceitar e estudar. As fontes são imensas, diversas e dispersas. Orais e escritas. De vários tipos e épocas. Entre outras nomes chamam-se Shástras. Consistem em compêndios de medicina, história, matemática, ciências, filosofias, normas éticas e jurídicas, etc. E é nessa base, tão antiga quanto viva, que o hinduísmo se alimenta e reinventa continuamente.

Consequentemente com tudo isso anteriormente exposto, nesse caldeirão cultural existem milhares de movimentos devocionais, racionais, animistas, filosóficos, artísticos, etc. Há até a categoria de filosofia totalmente prática, sem qualquer teoria! E há filosofias essencialmente baseadas na lógica. E o conceito de reencarnação é retirado de uma concepção de realidade bastante próxima do evolucionismo enunciado por Darwin e outros! Enfim.

E no entanto tudo isso e muito mais é encaixado num único conceito indistinto que é “hinduísmo”. E este, simplisticamente, catalogado como religião!

Outro exemplo de questionamento: em muitos casos chama-se religião ao Budismo. A que propósito?

O Budismo, supostamente, não têm dogmas. Nem envolve conceito de Deus ou deuses (pelo menos na maioria dos budismos, pois há muitos e bem diversos). Em muitos casos nem sequer envolvem reverência, adoração ou culto de qualquer espécie. Então porque é, em muitos casos, classificado como religião?

E o Confucionismo? Pouco ou nada tem de teísta. São ensinamentos para a boa vida, individual e colectiva. Muito mais próximo de uma ideologia-moral liberalista-capitalista ou de um socialismo-comunista do que propriamente de catolicismos ou protestantismos.

Claro que há muitos que acham os comunismos movimentos de cariz religioso. E, por outro lado, o socialismo-comunismo gosta muito de se considerar “cientifico”!!! Não é fácil…

Poderíamos falar da mesma forma de coisas tão diversas como Xintoísmo, Taoísmo, animismo, tantrismo, jainismo, etc. Já para não falar de todas aquelas coisas de dimensão tribais que são sumariamente arrumadas no conceito de religião. Afinal, se são tradições antigas de outras culturas devem ser religião…

Porque categorizamos as coisas assim tão simplista e irreflectidamente?

Ansiamos por classificar as coisas, porque precisamos de ter tudo arrumado mentalmente. Sem distinguir e separar as coisas não temos como actuar pró ou contra nada. Não há escolhas de acção para fazer. E acção é vida!

Mas essa arrumação é menos estável e certa do que perceberíamos num contacto superficial.


Por favor, poderia ser mais especifico?

Quando dizemos que acreditamos em Deus, ou que este é ridículo e desprezível, a que estamos a referir-nos?

Ao Deus criador? O omnipotente causador de tudo (até da razão e da ciência). De tudo não! Do mal e das guerras é o diabo….
Ao Deus Shiva, o destruidor, ou a um dos outros milhares de deuses do panteão hindu, cada um representante de um aspecto da vida…divina!
Ou algum dos antigos Deuses do panteão greco-romano, que eram emanação de aspectos bem humanos!
Ao Deus natureza, na concepção de que deus é tudo, é a própria natureza, a própria vida…
O Deus razão, espírito, que pensa o mundo e o entende.
Ao Deus consciência, a consciência do mundo, de nós mesmos, a consciência que somos nós mesmos…
A uma conjugação pessoal disso tudo.
De nada disso.
De mil e uma outras coisas diversas?
?!?!
Em que é que acreditamos e/ou desprezamos?

Talvez acreditemos no mesmo, mas estejamos a usar palavras diferentes. Palavras diversas que algures no tempo-espaço passaram a ser rivais, antagónicas e competitivas!


Mas deixemos a superfície. Mergulhemos um pouco mais.

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