15.6.05

Figurões

Cunhal

Morreu Álvaro Cunhal e mais umas figuras nacionais...
Imagino que a esta altura devem ter sido bastante elogiados!
Personagem magnético!
Não consigo deixar de ficar fascinado pela personalidade de Cunhal.
É daqueles a que quase ninguém fica indiferente. Para uns Salvador, para outros monstro. Amam ou odeiam. Mesmo os tolerantes. Mesmo agora que ele já saiu do palco há um bom tempo.
Um carisma raro. Tão grande que até parece que a sua influência nas nossas vidas é muito maior do que realmente é.
A sua influência na vida do nosso país é conjuntural. Aconteceu. Vários factores se juntaram para que durante um curto espaço de tempo tivesse algum sucesso. Pouco sucesso...mas muita notoriedade!
Tinha um projecto político totalitário: a "democracia popular", do tipo das que existiam no leste da Europa. Perdeu a batalha. Nem chegou perto de a ganhar. Foram só uns momentos de ilusão a seguir a revolução de 1974, que, básicamente, serviram de escape ás decadas anteriores.
Ao contrário do que acreditou até a morte penso, tal como Mário Soares, que a História nunca lhe dará razão.
Mas o seu fracasso não lhe retiram carisma. Pois o seu carisma é pessoal. Já existiam antes da revolução. Continuou depois. E é bem possivel que se torne lendário agora que morreu.
O seu carisma é a expansão da sua força e coragem. Força de convicção. Convicção em si mesmo. Nas suas ideias e projectos. Força que empregou e desenvolveu numa disciplina quase ascética com que se que blindou enquanto pessoa, com que blindou as suas ideias e o seu partido comunista.
A crença absoluta no marxismo-leninismo-estalinismo. Uma crença dógmática. Teológica.
Devia ser algo com raízes genéticas. Uma tendência para ser obstinado, focado, tenaz, preserverante, persistente. Isso conjugado com as condições do seu tempo e espaço criaram a personagem.
Duro. Quase frio. Sigiloso e secreto. Disciplinado. Um bloco que nunca quebrou. Se tinha dúvidas nunca as deixou perceber.
Só assim se explica que tenha sobrevivido à repressão oficial da ditadura vigente. Que tenha encarado decadas de clantestinidade forçada e voluntária. Que tenha sido preso três vezes passando recluso 15 anos. E perante essas provações manteve e reforçou as suas convicções e projectos.
E também por isso se compreende que nunca tenha desistido de acreditar até ao fim em si mesmo. Nos seus ideais. E que acredite que a história ainda lhe dará razão. Afinal, depois de décadas na clantestinidade, reclusão e exclusão não seriam alguns anos de democracia, já durante a sua velhice, que o iriam corromper!
Fascina-me a sua força e coragem, sem dúvida.
E só.
António

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