30.4.09

Homenagem a Mario Soares e o drama do existêncial


Mário Soares é omnipresente na politica portuguesa dos últimos 50 anos. Mas não é consensual.

Nos que se dizem de direita raramente é bem dito, devido aos proselitismo obrigatórios do discurso partidário, do discurso sectário, da dialéctica, essência da democracia. Mas muita gente, mesmo nessa direita, o admira, ou inveja, desde logo porque foi ele que mais fez pela sobrevivência da direita em Portugal logo após o 25 de Abril, pela possibilidade dela (co)existir.

Nos que se dizem de esquerda o MS é ainda menos consensual. Para a maioria dos ditos comunistas é um verdadeiro
inimigo, o inimigo numero 1, até porque depois da simpatia, tolerância e cooperação mutua até ao 25 de Abril, o Soares e o seu PS tornaram-se os mais eficazes de todos os opositores ao comunismo em Portugal. Percebe-se portanto essa inimizade, uma aversão que aliás é mutua. E mesmo dentro do PS o Soares não é fixe para todos. Porque ele sempre se manteve leal ao PS, mas não de forma cega e muda, mantendo sempre uma grande independência, principalmente a partir do segundo mandato presidencial, uma independência que não o inibe de criticar o próprio PS, se assim acha certo. Ele diz-se do PS, mas acima de tudo assume-se esquerdista, e parece-me que é acima de tudo Soarista. Porque tipos deste calibre conseguem superar os próprios grupos que integram...

Entre os meus familiares, tal como entre os meus amigos, independentemente das várias simpatias politicas mais ou menos assumidas, o Mário soares também não é uma figura consensual. Aliás, para a maioria de uns e outros é uma figura que colhe mais antipatias que admiração. Parte creio que é pura e simplesmente devido a ser politico. Como politico que é, é “mau” à partida, até prova em contrário! A partida e a chegada! E durante... E como ele está metido na política há tanto tempo, tendo-a exercido tantas vezes e com tanta importância, teve tempo de recolher mais criticas e reprovações que qualquer outro. É mesmo assim. Mas ele não se importa, ele é politico por vocação, com convicção e orgulho.

O MS já era político antes disso lhe poder trazer qualquer perspectiva de grandeza. Quando se deixou assumir essa vocação isso significava ser um emigrante, um refugiado politico. E na altura, uma mudança de regime era uma esperança de poucos, algo incerto, longínquo. Com o 25 de Abril o MS teve o seu momento. E a partir de aí mostrou, para mim, uma grande lucidez. Como MNE acabou com a guerra colonial (que estava perdida á partida e que esteve na génese da revolta militar do 25/Abril/1974) e procedeu ao processo de descolonização em tempo recorde. Portugal, em pouco tempo, recebeu mais de 1 milhão de “retornados”! Sem grandes problemas, sem guerras, sem mortos, sem conflitos nos novos subúrbios. Foram quase todos mais ou menos bem integrados, ou melhor, souberam integrar-se muito bem. E foram bem aceites. E assumiram um papel primordial no desabrochar da sociedade portuguesa no pós 25 de Abril. Considero esse facto o mais fascinante dos últimos 50 anos de história portuguesa, juntamente com a adesão à UE (então a CEE), que por sinal também teve o cunho do MS. Além de ser peça chave e pró-activa nesses dois movimentos essenciais, foi também peça chave no ano quente do pós 25 de Abril, quando a revolução militar se tornou popular, e o fim 50 anos de ditadura deixaram a pressão sair com os ímpetos revolucionários de extrema esquerda, que na revanche queriam transformar isto numa Albânia mais. Na altura o esquerdista MS teve lucidez suficiente para não aderir aos ímpetos de vingança (por mais idealistas e bem intencionados que fossem, e sei que o eram) mantendo-se firme nas suas convicções de pluralidade democrática, de abertura e interacção entre diferentes, entre pessoas, partidos, organizações e países diferentes. Uma convicção de que para haver evolução, ou seja, dialéctica, é preciso diversidade, tolerância para que o que é diferente conviva, e as sociedades democráticas ocidentais, com todos os seus problemas e contradições, acabam por ser precisamente as mais tolerantes, e logo mais dialécticas, e logo mais desenvolvidas a todos os níveis, e logo têm o melhor sistema político. As tentações da extrema esquerda pelo uniformismo (em nome da “igualdade”) não iria desembocar em liberdade nenhuma, antes em outra ditadura, não muito diferente da que acabávamos de deixar para trás. O esquerdista MS fez o impensável para um verdadeiro revolucionário esquerdista da altura: negociou com os americanos, com a CIA, e com o apoio escondido destes conteve o avanço da Albanização do país. E no também negociou com o FMI e deteve o caminhar de Portugal para uma bancarrota iminente, que se devia tanto aos gastos com a guerra colonial como depois à fuga de capitais para o estrangeiro e aos excessos revolucionários. Mais tarde, depois de todos esses actos, que são “só” os mais importantes de todos os actos políticos me Portugal nos últimos 35 anos, o MS teve lucidez para manter-se firme nas suas convicções sobre a democracia ocidental que ele idealizava, que ele chama esquerdista, que se poderia chamar social-democracia, ou seja, um capitalismo preocupado, e por isso mais ou menos equilibrado. Assim, e quando o muro de Berlim caiu com o ruir da ex URSS e seu domínio imperial no Leste, o MS foi uma das poucas vozes que não embarcou num discurso neo liberal (também ele imperialista), disfarçado na Europa sob a designação de “terceira via”,(supostamente de esquerda) e que sem contraponto se julgava perfeito, sem limites. E foi um dos que, tendo sido um dos principais aliados dos americanos em Portugal e Europa, se tornou um dos seus maiores críticos, uma voz de alerta para os excessos. Para o excesso do consumismo (e do consumismo como filosofia de vida), para o excesso de liberalismo económico, para os excessos de imperialismo americano no que isso tem a ver com guerras militares e económicas, e sobretudo contra o Bush que se tornou imagem de tudo isso e muito mais, e muito pior. Acertou mais uma vez!

O MS cometeu sem dúvida erros. Só não os comete quem não faz coisa alguma. Terá as suas contradições, como todos temos. Mas no geral foi uma figura primordial no construir do Portugal moderno, que em geral está melhor em tudo do que estava há 35 anos atrás. E o dedo dele está nos momentos e decisões mais quentes, mais importantes, e mais acertados. “Só”.

E hoje continua a impressionar-me com a jovialidade e lucidez que apresenta. Continua a pensar, continua a manifestar-se. Continua firme nas suas convicções. Continua a querer entusiasmar os jovens por uma actividade que o apaixona, que julga importante, e nobre: a política. No entanto creio que vai falhar nesta última luta.

O drama do...êxito!?

Ele a a sua geração, a dos meus pais, construiram o Portugal moderno. Poderia estar melhor. Deveria. Mas fizeram o que puderem, o melhor que souberam. Creio que, depois de uma monarquia decrépita, uma primeira Républica anarquista, e uma ditadura miserabilista, Portugal, os portugueses, não davam mais. Mas evoluiu-se muito. O nível económico e cultural deu um passo de gigante. E deu para construir um país essencialmente pacifico, aberto e integrado na comunidade internacional, estável, democrático, onde as condições de vida sao, em geral, boas. Muitíssimo melhores que há 35 anos. Eles já fizeram a revolução. Agora é a vez da minha geração, esta que tem entre 18 e 48. O que nos resta fazer? O nosso trabalho não é tao apaixonante. Nós já apanhamos isto mais ou menos pronto em termos de sistema politico-económico. Não há lugar a revoluções nesse sentido. Esta democracia ocidental, com todos os seus problemas, é o melhor que sistema que há. Só podemos regenerá-la, aperfeiçoá-la, melhorá-la, mantê-la. E isso não é coisa de revoluções, não permite canalizar toda a insatisfação e agressividade que contemos através de uma luta politica entusiasmante. Até porque as regras do sistema tendem a querer perpetuar-se e resistem até pequenas reformas. Reformas que têm de ser continuas, mas leves. Rotina, paciência... Nada disso é muito empolgante. Aliás, nem deve ser. Se o sistema funciona bem a maioria de nós não deveria necessitar de estar sempre a pensar nele. Deveríamos simplesmente aproveitar a liberdade e condições económicas favoráveis para nos expressarmos individualmente, para sermos criativos, construtivos, empreendedores. Para criarmos valor acrescentado, dando o nosso contributo à sociedade através da realização da nossa vocação individual. E isso pouco aponta para a política. A responsabilidade política principal hoje não está em ser político, nem sequer em votar em um ou outro político, muito menos perder tempo a ver (tele)jornais onde nos hipnotizamos com uma imagem muito pior da realidade do que ela realmente é. Hoje o acto "político" é dar algum contributo criativo e positivo á sociedade enquanto cidadão individual, enquanto empregado, enquanto ONG ou empresa capitalista. Até enquanto consumidor.
E hoje, com condições de vida são muito melhores que antes, as pessoas, que supostamente são (mais) livres e por isso seriam mais responsáveis individualmente, deveríamos assistir a um maior índice de felicidade e realização pessoal. Afinal, é em nome disso que todas as revoluções se legitimam. Todos poderíamos escolher o que queremos fazer, o que queremos ser. Só que esse poderíamos transformou-se num presente envenenado. O poderíamos transformou-se num deveríamos, e mais pesado ainda, transformou-se num "tem de" fazer escolhas, cada um tem de saber que quer fazer, com quem, como. Há que saber-se “quem sou?”. E para falar a verdade isso nunca foi de todo transparente. Quero ser agricultor, formar um novo partido político, aderir a um exército e andar a brincar ás guerras, ser empresário criar empregos ganhar dinheiro e criar algo, ser actor ou criar um banda musical, ser um acomodado empregado do Estado, ser pai, amante, surfista, pensador...uma mistura complexa e instável disso tudo? O quê? Qualquer individuo minimamente consciente e honesto consigo próprio consegue responder a si mesmo: quero ...TUDO! E sobretudo quero o que não tenho. Somos geneticamente insatisfeito ou não? Viva a neurose! Enfim, delírios de egos e alter egos a parte a maioria das pessoas percebe os seus limites da Vida, e percebe que esta é um compromisso constante, há que fazer escolhas. Até porque a realização não vem de termos tudo, mas sim de encontrar o todo em alguma das suas partes. Temos de nos concentrar dizem os gurus... Dentro todas as possibilidades, dentre todas as oportunidades e capacidades ao meu dispor o que é que quero? Qual a minha vocação, o que me realiza? Escolhas, escolhas e mais escolhas! Isto de ser humano, "livre" e responsável é um fardo constante. Perante tanta (suposta) liberdade a maioria das pessoas parecem mais perdidas que nunca. Sempre a queixar-se e lamentar-se, a esconderem-se de si mesmos nos gritos críticos que dirigem aos demais, completamente insatisfeitos, tão absolutamente infelizes como sempre.

Não fomos salvos pela ciência,
nem pelo comunismo, nem pela democracia, nem pelo consumismo. E a religião já lá vai... Agora a última tendência é depositar as esperanças numa via espiritual new age, ou pelo menos orientalizada. Não fomos salvos porque não há de quê salvar-nos. Porque continuamos a viver, como sempre, no mesmo sítio, no centro do Universo: em nós mesmos! Vamos salvar-nos de nós mesmos?!?! Hoje vemo-nos confrontados com ser realmente adultos: assumir que a Vida é isto, só isto, não há fugas, nem salvações. É "só" isto, o drama existencial...

A não ser que isto descambe, e fique de tal forma mal em termos económicos que o povo comece a achar razoável embarcar em radicalismos, a minha geração deve continuar a desinteressar-se pela política porque os políticos até não são assim tão maus, e até têm gerido isto bemzinho, até ligeiramente melhor do que a maioria das pessoas gere a sua economia individual e familiar... Sim porque todos vemos defeitos nos outros, nos poderosos, nos ricos, nos dirigentes, no sistema (o sistema somos nós) , etc., mas a maioria não consegue nem mesmo gerir minimamente bem os seus próprios relacionamentos, ou a suas próprias micro finanças. Não conseguimos salvar-nos a nós mesmos mas achamos sempre que sabemos como salvar o mundo! Treinadores de bancada é o que somos: sabemos sempre tudo, tudo o que está mal, e que deveria ter sido feito, depois do jogo e sobretudo fora do jogo, debitando receitas milagrosas para o mundo ao sabor de mais uma mini! Apesar de dizer mal de tudo e todos raramente nos dispomos a assumir o protagonismo, e por isso confiamos nos outros, nos que inevitavelmente maldizemos. Mas se nos distraímos muito, se nos desinteressarmos por completo, pode ser que até aquilo que tanto criticamos , mas que afinal damos por garantido, talvez nem isso seja de grande solidez, e se desvaneça de um momento para o outro, e até sem isso fiquemos. Esperemos que não. Esperemos que a esperança que o Soares continua a ter e proclamar nos mais jovens (talvez até mais jovens que eu), na sua lucidez e bom senso, seja certeira, mais uma vez.

P.S.
Eu não sou esquerdista, nem de direita, nem sequer Soarista. Só admiro o homem...

3 comments:

Cidrais said...

Gostaria de acrescentar que considerando a analise que fazes essencialmente correta, a conclusao que retiro nao podia ser mais diferente da tua. A democracia que existe em portugal esta podre e as perspectivas que se colocam a nossa geracao nao sao tao risonhas quanto as pintas. Vamos descer a terra por momentos e pensar, hoje ( ironicamente ) no dia do trabalhador, nao so nas centenas de milhares de desempregados, mas tambem nos milhoes de trabalhadores precarios, e milhoes de emigrantes ( nos quais me incluo ). Num momento em que milhares e milhares de licenciados sao empurrados para "carreiras" em call centers e supermercados, dizer que a resposabilidade de tomar as redeas do destino eh nossa pode ser politicamente correto, mas bastante impraticavel.Afinal quando temos que pagar as nossas contas, a coisa pia bastante fininho.
Posso estar a tornar-me pessimista com a idade, mas auguro perturbacoes sociais graves em Portugal nos proxios anos.
O proprio Mario Soares, se estiveres atento ao que ele tem vindo a dizer recentemente, concorda comigo.
Mas a ver vamos. A todos os que ai estao, boa sorte.

António said...

Bro...

POis... Eu não digo que não haja problemas. Na realidade há, e alguns até bem graves. Mas são graves porque nos comparamos com os melhores países do mundo, os primeiros entre os primeiros. Há 50 anos atrás eramos essencialmente analfabetos e bebados! E mesmo os nossos pais, muitos deles já com outra bagagem cultural, foram filhos desses analfabetos e bebados. Não creio que fosse possivel dar um salto maior. Mas evoluiu-se muitissimo. Só quis reconhecer o papel de um politico, e por arrasto, o papel de toda uma geração, a geração dos meus pais. E até agora a nossa ainda não fez mais do que a deles!

Cidrais said...

Temos que nos comparar com os melhores devido ao espaço geográfico que habitamos - vivemos na Europa. É legítimo que olhemos para os nossos vizinhos e nos comparemos. Mal era que nos comparássemos com África.
Não te esqueças também de que esse povo analfabeto e bêbado de que falas foi o mesmo que dominou metade do mundo, há pouco mais de 400 anos.
Já viveste em Espanha - saberás melhor do que eu o que um povo que passou por uma ditadura que abarcou o mesmo perídodo que a nossa, e que teve um legado colonial equivalente pode ser - se o souber aproveitar.
Terminando...falas do papel da nossa geração - aonde quero chegar é que esse papel na juventude portuguesa está condicionado, e muito. E já não é por falta de qualificações, mas de oportunidades.
Dir-me-ás que as oportunidades se criam. Ao que eu te respondo...com certeza...se ( e é um grande SE ) o contexto for propício. E não é. Pelo menos aí.